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TJDFT decide pela reintegração de posse em caso de usucapião especial urbana sem copropriedade após fim de relacionamento
A 3ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT decidiu, por unanimidade, que uma mulher deve deixar um imóvel que estava ocupando, após o fim do relacionamento com o proprietário. A decisão foi baseada no fato de que, para que a ex-companheira tenha direito a ficar com o imóvel por meio da usucapião especial urbana, é necessário que ambos sejam donos do bem. Como esse não era o caso, foi determinada a reintegração de posse.
De acordo com informações do TJDFT, o autor relatou que manteve união estável com a ré entre 2000 e 2015. Após o término da relação, ambos continuaram residindo no mesmo imóvel até 2021, quando ele se mudou para Santa Catarina. Na mudança, concordou verbalmente em ceder a casa à ex-companheira até janeiro de 2023. Após o prazo, ela teria se recusado a desocupar o local, o que, conforme ele sustentou, configura esbulho possessório. O autor solicitou a reintegração de posse e o pagamento de aluguel pelo tempo de ocupação indevida.
Em defesa, a ré alegou que o imóvel, com menos de 250 m², preenche os requisitos da usucapião especial urbana por abandono de lar, afirmando que o autor deixou o bem há mais de dois anos e não possui outro imóvel registrado em seu nome. Também argumentou que utilizava o imóvel para sobrevivência e cuidados com uma menor sob guarda conjunta do ex-casal.
A desembargadora relatora destacou que o imóvel pertence exclusivamente ao autor, doado por sua mãe, e, portanto, não há a dupla titularidade exigida para a configuração da usucapião especial urbana por abandono de lar. Além disso, foi constatado que o autor continuou a exercer responsabilidades relacionadas ao imóvel, como o pagamento das despesas condominiais, o que descaracteriza o abandono do lar.
“Comprovado que o autor é o proprietário do bem em litígio, bem como a recusa de a ré devolver o imóvel em data certa, resta configurado o esbulho”, afirmou a magistrada.
O Tribunal concluiu pela reintegração de posse em favor do autor, considerando que não houve comprovação dos requisitos para a usucapião especial urbana nem do abandono do lar com ausência de tutela familiar. O processo segue em segredo de Justiça.
Direito à moradia
O instituto da usucapião especial urbana por abandono de lar é frequentemente discutido nos tribunais, sobretudo em disputas entre ex-cônjuges ou ex-companheiros. A advogada e psicanalista Tânia Nigri, membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, esclarece os aspectos legais que envolvem essa modalidade, ressaltando a proteção ao direito à moradia.
“A usucapião especial urbana por abandono de lar foi criada para garantir o direito à moradia, especialmente para o cônjuge ou companheiro que permaneceu no imóvel após o término do relacionamento. Para sua aplicação, é imprescindível que o imóvel seja de propriedade conjunta e que haja abandono voluntário e prolongado do bem por parte de um dos proprietários. No caso em questão, a copropriedade não foi constatada, uma vez que o imóvel era exclusivamente do autor, que também não abandonou suas responsabilidades. Embora a ex-companheira tenha alegado a necessidade de proteger o direito à moradia dela e de um menor sob sua guarda, a inexistência da copropriedade inviabiliza a aplicação da usucapião”, explica.
A advogada acrescenta que o abandono de lar é caracterizado por ausência prolongada e voluntária, acompanhada de atos que demonstrem a renúncia às responsabilidades sobre o imóvel, como a interrupção de pagamentos de contas e a falta de manutenção do local.
“Como a usucapião implica a perda da propriedade, é fundamental que seus requisitos sejam analisados com rigor, evitando alegações equivocadas ou abusivas. No caso analisado, o autor manteve o pagamento das despesas condominiais, o que descaracteriza o abandono. Além disso, o imóvel foi recebido como doação da mãe do autor, não havendo copropriedade com a ex-companheira. A decisão judicial evidencia que, embora a legislação seja uma ferramenta importante para proteger pessoas em situações de vulnerabilidade, ela não se aplica quando não há copropriedade ou abandono efetivo”, pontua.
A especialista reforça que o pagamento de despesas relacionadas ao imóvel é um indicativo claro de que o proprietário mantém vínculo jurídico e material com o bem, mesmo que não resida nele. “Esse ato demonstra que o proprietário não renunciou ao domínio ou às responsabilidades sobre o imóvel”, conclui.
Por Guilherme Gomes
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